29 de dezembro de 2015


Vozes da resistência síria desde a Alepo rebelde


Enquanto o frio açoita, a fome golpeia, a contrarrevolução avança... mas a chama da revolução vive nas trincheiras.
Nos subúrbios de Alepo, a que fora a segunda cidade mais importante do país, aquecidos ao calor de um barril recortado que em seu interior ardem os escassos gravetos que encontramos a nosso redor, instrumento que nos servem para conter de forma efêmera o frio rompe ossos do inverno mais cru de nossas vidas, escutávamos o rádio com baterias esgotadas enquanto mantínhamos posição em uma das trincheiras que restam de pé em nosso território. O programa do radio anunciava uma reunião na Arábia Saudita onde estariam em nosso nome os representantes do Conselho Nacional Sírio (reconhecido pelos governos do Catar e Turquia), os generais do ESL, e generais das alas islamitas do ESL. E que se faria uma reunião entre três frações das YPG curdas integrantes da aliança democrática, financiada direta e abertamente aos olhos de todos nós, pelo imperialismo ianque.
Enquanto os representantes da burguesia “opositora do regime de Bashar” se dispunha a desfrutar dos luxuosos hotéis 6 estrelas de Riad nossos irmãos em Duma e Ghouta resistiam contra os ataques da aviação russa.
Os heróis esfomeados da localidade de Al Waer (ultimo bairro nas mãos da resistência, localizado em Homs capital de nossa revolução) se negavam a baixar a guarda sob o feroz assédio mantido pelas tropas de Bashar há 2 anos.
Na localidade do Al Bab em Alepo (território controlado pelo Estado Islâmico) a aviação ianque massacrava nossos irmãos operários que vêm tentando tirar de cima este partido exército burguês. Enquanto que em Raqqa e Deir Azzor (território também controlado pelo EI) a aviação francesa e britânica, com combustível abastecido no ar por aviões alemães, estreavam suas bombas na cabeça de civis indefesos jovens, mulheres, idosos e crianças. Como sempre usando de desculpa lutar contra o Estado Islâmico.
Enquanto isso o exército de mercenários de Bashar integrado por libaneses do Hezbollah, tropas paramilitares xiitas do Iraque, a guarda republicana iraniana com comandantes iranianos e soldados mercenários afegãos e paquistaneses, e franco-atiradores cazaques trazidos pela Rússia, entre outros (verdadeiras tropas terrestres da grande coalizão que hoje invade a Síria) avançava terminando de cercar pelo sudoeste a cidade de Alepo apoiados pelos bombardeios da OTAN.
O inverno cru que nos atravessa a roupa chegando até a medula dos ossos não é mais misericordioso com nossos irmãos que sobreviveram a travessia da morte do Mediterrâneo buscando chegar à Europa. Pois estes se encontram na Grécia parados na fronteira com a Macedônia tendo que acampar ali com a ilusão de que voltem a abrir as portas da rota ao velho continente. Enquanto a Turquia pactua com Alemanha a contenção a todo custo de nossos irmãos refugiados, o governo da Macedônia blinda suas fronteiras e o governo de “esquerda” na Grécia recebeu da UE 4 bilhões de Euros para manter por um tempo e depois deportar todos os refugiados que possa enquanto os mantêm em verdadeiros cárceres ou guetos a céu aberto.
“... Uma vez mais, com nosso fuzil no ombro e nossas mãos sobre o calor das brasas de nossa caldeira improvisada, víamos que o mundo se esquecia de nós, de nossa heróica revolução...”
Depois de um par de dias podemos conseguir algo de combustível para ligar o gerador e ao ligar a TV nos inteirávamos que essa ilegítima reunião na capital saudita “havia fracassado” segundo dizia a mídia burguesa. A desculpa que davam era que os comandantes de uma brigada islamita do ESL chamada Ahrar al Sham (em português Os livres do Levante) teriam se retirado da reunião acusando os presentes de não representar os interesses do povo sírio, dizendo que a presença da brigada no terreno bélico era minimizada, e chamando os muyahidines (pessoa que faz a jihad NdT) a lutar pela nação, a religião e a revolução. Mas segundo nossa experiência, isto parecia ser apenas uma cortina de fumaça para encobrir um pacto contra-revolucionário de entrega levado adiante pelos integrantes da reunião, incluindo a Ahrar el Sham, pois se realmente estavam contra essa reunião, para que foram!? A única condição que põe é “sem Bashar”, mas aceitam fazer um pacto com seus generais assassinos. Por que não convocaram uma reunião de todos os combatentes com delegados representante de cada uma das trincheiras onde resistimos?? Por que foram até a Arábia Saudita e não a fizeram aqui nos territórios onde derrotamos Bashar? Em ultima instância estão de acordo em dissolver a revolução.
Pudemos nos inteirar numa mídia burguesa do Catar que no Iêmen a coalizão contrarrevolucionária liderada pela Arábia Saudita e Emirados Árabes tentava impor um alto fogo para poder negociar pelas costas de nossos irmãos operários e camponeses rebeldes iemenitas uma saída “diplomática”.
Vimos também os beijos e abraços das distintas frações da burguesia líbia integrados pelos parlamentaristas de Tobruk e senadores do congresso nacional líbio com base em Trípoli, depois de ter assinado um acordo de unidade nacional para poder unificar sua casta de oficiais e terminar de massacrar nossos irmãos da resistência líbia, sempre com a desculpa de “combater o terrorismo do Estado Islâmico”. Evidenciando que este é a operação final para reconstituir e blindar o novo regime gadaffista.
Cansados das más noticias, decidimos desligar a TV e poupar combustível para poder nos iluminar um pouco na neblina das noites geladas. No entanto, esse mesmo dia por meio de nossos camaradas no interávamos de uma das piores notícias que havíamos escutado, o ESL teria entregado em Homs, a localidade de El Waer submetendo à rendição nossos irmãos com vis mentiras, dizendo que se rendam, que já não havia porque lutar ali, que dessa maneira entrariam os víveres da ONU para abastecer a população. Uma armadilha similar a que levaram adiante em 2014 com a entrega de grande parte da província de Homs.
Lixo imundo, para isso foram à Arábia Saudita, para pactuar a rendição!!!... querem que nos entreguemos e nos submetamos por um pacote de arroz... querem entregar a revolução pela fome... para isso vieram... para expropriar a revolução, conter a resistência para que não derroque Bashar, e assim poder cobrar um enorme cheque e se retirar as luxuosas mansões na Turquia enquanto nos dizem que a ONU (custodiada pelas tropas mercenários do cão Bashar e da aviação russa) com suas miseráveis rações pretende nos ajudar.
A raiva brota de nosso alento que se converte em vapor, nos aferramos mais e mais a nosso fuzil e os poucos carregadores que nos restam.
No dia 18/12 se reuniam em Nova Iorque os mesmos lixos que se reuniram em Viena, e votavam por unanimidade um plano e uma saída “ordenada e democrática” propondo um acordo de unidade nacional e um chamado a eleições. Como sempre, a cortina de fumaça de “se com ou sem Bashar” seguia sendo o eixo da discussão. Mas ao parecer era essa a verdadeira dessa farsa.
Advertidos por disparos nos preparamos para resistir. Tropas mercenárias avançavam do noroeste da cidade de Alepo em direção ao sul. Os dirigentes traidores das YPG e da burguesia curda de Afrin (cidade “autônoma” curda posicionada ao leste de Azaz na fronteira com a Turquia) lhes havia cedido território as tropas de Bashar que subiam em aviões russos e daí lançavam sua contra-ofensiva para terminar de cercar a resistência em Alepo. Ligamos os walkie talkies e pudemos escutar claramente os dirigentes do ESL dizendo “... não queremos que nenhum de nossos irmãos sírios se aproxime... o inimigo é muito poderoso... se querem colaborar só mandem as balas que tenham...”
Uma vez mais os generais do ESL traindo a resistência fazendo-a crer que eles sozinho podiam frear os mercenários que avançavam com maquinaria bélica de ultima geração proporcionada pela Rússia. Impedindo que o melhor da vanguarda se unifique com as massas e expulse as tropas invasoras. Inclusive pedindo abertamente que a vanguarda se desarme e lhes entregue as balas, sendo que estes generais lixo se cansaram de juntar balas que jamais estiveram a serviço da revolução.
Divididos e quase desarmados, decidimos tomar a medida extrema de nos entrincheirar em nossas casas com nosso fuzil no ombro e os poucos carregadores que sobravam colados ao peito, para proteger entre ruínas o ultimo que nos sobre, quatro paredes esburacadas por balas, um teto cheio de goteiras e nossa família.
Na manhã do dia 24 nos inteirávamos que outro agente do imperialismo, o Estado Islâmico, entregava da mesma maneira que fez o ESL, o acampamento de refugiados de Yarmuk (onde entraram no começo de 2015 para eliminar o melhor da vanguarda palestina que combatia ali contra Bashar) e a localidade de Hajar el Asswad posicionada a quilômetros do acampamento. Abrindo assim o caminho para a ONU e sua escolta de mercenários leais ao regime sírio ao regime sírio. Enquanto isso, o Estado Islâmico comercializa com Bilal Erdogan (filho de Rayepp Tayeb Erdogan, Presidente turco massacrador das massas curdas na Turquia) o petróleo que se encontra em nossa terra, extraído com o suor e sangue de nossos irmãos.
No dia seguinte chegava aos nossos ouvidos o assassinato de Zahran Alloush general de uma brigada islâmica do ESL financiada diretamente pelo reino saudita, que segundo eles controlava 20 mil soldados bem treinados e capacitados no bairro de Ghouta em Duma a poucos km da capital síria. Parece ter sido um modo de escarmentar do imperialismo seus agentes, para disciplinar todo aquele que ouse pedir mais do que é oferecido para pactuar a rendição. Desta maneira se assegurariam que o plano de entrega e submissão marche segundo o acordado nas diferentes reuniões feitas nestes últimos meses.
Fechados em nossas casas, mastigando mais raiva que comida devido à escassez, as bombas que soltam os aviões são escutadas ao mesmo tempo em que estrondosas notícias de entrega por parte dos generais do ESL, seguem atordoando nossos ouvidos.
Que não só entregam cidades que o regime assediava e cercava, como Zabadani localizada próxima à fronteira com o Líbano, como entregam agora cidades que nossos irmãos combatentes sírios tinham cercadas, pois estas eram habitadas por tropas paramilitares do regime sírio.
Os fatos falam por si mesmos, as reuniões de Viena, Riad e Nova Iorque tinham como plano liquidar de maneira definitiva os últimos vestígios dos organismos de luta e democracia direta que colocamos em pé no começo de nossa revolução.
Estamos cansados de reuniões conspirativas contra nosso povo. Das trincheiras que resistem e onde se mantém viva a chama da revolução dizemos... Eles não representam a resistência, eles não representam os 10 milhões de irmãos refugiados. ELES NÃO NOS REPRESENTAM!!!
Correspondência da Brigada Leon Sedov